D. Daniel Batalha Henriques

Pedem-me para dar o meu testemunho vocacional. Agradeço. Faz-me bem regressar, em oração reconhecida, aos primeiros sinais vocacionais, levam já quase quarenta anos.

Não me recordo de alguma vez, antes dos meus 15 anos, ter colocado a possibilidade de vir a ser sacerdote. O certo é que um ano depois, a 5 de outubro de 1982, dava entrada no seminário de Almada, que recebia na altura alunos a partir do 10º ano de escolaridade.

O discernimento deste adolescente foi um caminho intenso e progressivo. Recordo quatro acontecimentos que tiveram um efeito especialmente forte em mim. O primeiro, uma assembleia vicarial de jovens onde participei, um pouco forçado pela insistência da minha mãe e da minha irmã mais velha. Marcou-me particularmente o testemunho de dois seminaristas, pouco mais velhos do que eu, num dos trabalhos de grupo desse dia. Fiquei fascinado pela forma como falavam de Jesus e como o amor por Ele os levou a deixar tudo e a entrar no seminário. Depois, algo aparentemente insignificante: um sacerdote muito idoso e limitado fisicamente ia celebrar a Ribamar, a terra onde nasci e vivia. Quase não se percebia o que dizia e só muito a custo conseguia subir os degraus do altar. Em vez de me aborrecer, lembro-me de pensar várias vezes: quem irá garantir a continuidade desta missão, que este sacerdote já faz com tanta dificuldade? Em terceiro lugar, a experiência de me ter sido confiado, ainda com 15 anos, um grupo de crianças pequeninas para lhes dar catequese. Enchia-me o coração falar-lhes de Jesus e do Seu Amor e como elas “bebiam” as palavras do Evangelho. Lembro-me de ter pensado: como seria bom que toda a minha vida fosse sempre isto e nada mais do que isto! Por fim, talvez o mais marcante e decisivo, a vinda de São João Paulo II a Portugal, em maio de 1982, e ter participado no grande encontro com os jovens no parque Eduardo VII. Aí senti claramente que deveria dar este passo e entrar no seminário.

Pouco tempo antes tinha chegado à paróquia um jovem sacerdote, com fui partilhando as minhas inquietações vocacionais e que me acompanhou. A dada altura, propôs-me apresentar ao diretor espiritual do seminário de Almada que continuou a acompanhar-me e me sugeriu participar numa semana vocacional, durante a qual “oficializei” a minha entrada no outubro seguinte.

A caminhada no seminário foi tranquila, sem grandes sobressaltos, passando de uma sensibilidade e religiosidade de adolescente até à maturidade de um jovem adulto, profundamente marcado por sacerdotes sábios e santos que me ajudaram neste caminho e por quem nutro uma profunda gratidão.

Mesmo os momentos mais difíceis foram preciosos no meu crescimento. Partilho apenas um. Poucos meses depois de ter entrado no seminário, sentia-me totalmente confirmado na minha vocação. Entretanto, soubemos que um dos seminaristas com mais anos de seminário, que todos admirávamos e considerávamos um modelo de fé e vocação sacerdotal, decidiu que deveria seguir outro caminho e deixou o seminário. Recordo como isto abalou até às raízes todas as minhas certezas vocacionais, principalmente quando me punha a comparar com este meu colega. Felizmente, o diretor espiritual ajudou-me a fazer caminho, o que me tornou muito mais humilde e consciente do que significa Deus “escolher o que é fraco e desprezível aos olhos do mundo” e “trazermos tão grandes tesouros em vasos de barro”.

Em 1986 ingressei no seminário dos Olivais, marcado pela experiência pastoral, que veio confirmar que o Senhor me chamava a uma entrega total ao serviço do Seu Povo. Ter feito este caminho em Comunidade, com colegas de sensibilidades muito diferentes da minha, constituiu um desafio quotidiano. Um desafio especialmente abençoado e proveitoso, sem o qual não seria certamente o que sou hoje.

D. Daniel Batalha Henriques, Bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa, abril de 2020

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