SEMINÁRIO DOS OLIVAIS

SICUT NOVELLAE OLIVARUM

LINHAS ORIENTADORAS DA FORMAÇÃO


 

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Deixai-me agora repropor, de um modo mais explícito, as grandes linhas de formação do Seminário dos Olivais.

A primeira realidade a sublinhar é que, mais que por qualquer opinião do Reitor ou de qualquer outro membro da Equipa Formadora, o Seminário quer ser orientado pelos documentos que o Magistério mais recente propôs para a formação dos futuros padres. Em particular, deixai-me sublinhar o Decreto Conciliar Optatam totius; a Exortação Apostólica Pastores dabo vobis; o Directório para a vida e ministério dos presbíteros; e, em Portugal e enquanto não forem revistas, as Normas fundamentais para a formação sacerdotal nas dioceses portuguesas. Tendo-os como pano de fundo, deixai-me agora concretizar algumas das linhas-mestras da formação sacerdotal na nossa casa.

A todas elas tenho que antepor a formação humana, assumindo-a como dado adquirido no que toca ao seu desenvolvimento essencial, ainda que ela acompanhe sempre as demais dimensões formativas, tal como toda a nossa vida. O Seminário dos Olivais pressupõe, no entanto, que todos os seus seminaristas são homens adultos, com um prévio e sério discernimento vocacional. Aqui, não há lugar para atitudes infantis ou adolescentes, tal como não é o lugar para quem só agora começa a tomar seriamente a hipótese de ser Padre.

Sem descurar e sem deixar de acompanhar a formação humana e o discernimento vocacional, o Seminário assume, por isso, que estas duas áreas foram suficientemente trabalhadas nas anteriores etapas de formação. É pois suposto que todos sejam suficientemente bem-educados, e que todos tenham claro que a vocação presbiteral é aquela a que são chamados pelo Senhor.

Posto isto, entremos agora no «específico» da formação do Seminário Maior, concretamente na do Seminário dos Olivais.

 

VIDA ESPIRITUAL

A vida espiritual é a vida daquele que se deixa guiar pelo Espírito de Deus. Deixai que nela considere, ainda que brevemente, alguns aspectos: 1) a vida de oração; 2) a vida comunitária; 3) o confronto da vida interior com o Director Espiritual.

 

1) Em primeiro lugar, a vida de oração. A vida de um Padre é conduzida pela oração. Esta define-se, primeiramente, pela capacidade de escutar a voz do Senhor e de a acolher no coração, deixando que a palavra de Deus modifique os nossos critérios de pensar e de agir (ou seja, nos converta). Tornamo-nos então discípulos e amigos de Jesus, o que nos permite interceder junto do Pai pelos nossos irmãos.

A vida de oração é primeiramente uma vida litúrgica: pelo seu pecado, o homem torna-se incapaz de, naturalmente, louvar a Deus (cf. Rom 1,18-25). Por isso, a fé eclesial (resposta do homem à revelação divina), por acção do próprio Espírito, coloca diante de nós o modo como devemos rezar. Trata-se do desenvolvimento do Pai nosso. É como comunidade (nosso) que o cristão reza sempre ao Pai, por meio de Jesus. A liturgia é pois o momento por excelência da oração, mesmo da oração pessoal: em cada palavra, em cada gesto, em cada atitude que nela assumimos, são as palavras, os gestos, as atitudes de Cristo que fazemos nossas, e com as quais procuramos conformar as nossas vidas. Não é pois de espantar que a Eucaristia ganhe uma centralidade excepcional no nosso quotidiano, na sua preparação e, sobretudo, na sua celebração, que procuramos adquira a maior qualidade possível.

Depois, a celebração de Laudes, no início do dia. É desse modo, louvando comunitariamente o Senhor, que iniciamos o nosso quotidiano. Nem faria sentido de outro modo, para aqueles que se consagram completamente ao Senhor.
É esta oração litúrgica de louvor que há-de ser prolongada ao longo do dia, em momentos de confronto pessoal ou em grupo com a palavra da Escritura, e de encontro íntimo e silencioso com o Pai.

 

2) Ao referir-me à «vida comunitária», estou consciente que o seu primeiro momento é, precisamente, o da oração litúrgica; mas quero agora fazer referência àqueles outros momentos em que toda a comunidade é convidada a estar, em encontro cristão e humano: seja nos momentos de refeição (almoço e jantar) e nos minutos de convívio que se seguem, seja no aprofundamento de algum assunto de âmbito doutrinal ou cultural, seja simplesmente na descontracção e convívio ou até apenas numa «presença comum» a que qualquer circunstância nos convida. São momentos em que nos assumimos e mostramos como comunidade, em que os gostos e os horários de cada um são sacrificados em função de uma realidade maior e mais importante, que ultrapassa o indivíduo e os seus gostos. São momentos em que a comunidade do Seminário aparece como tal, e dos quais, por isso mesmo, a não ser por motivos de força maior, ninguém se deve dispensar.

Da vida comunitária fazem ainda parte os momentos de vida em curso. O curso constitui uma realidade natural, que permite um acompanhamento mais próximo por parte de um membro da Equipa Formadora. É certo que todos os membros da Equipa Formadora são responsáveis por toda a comunidade; mas cada um assume, de um modo mais directo, a responsabilidade por algumas tarefas, em particular no que toca ao acompanhamento diário dos diferentes cursos. Também aqui o curso não é o grupo de amigos que escolhemos mas aquele que o próprio Deus nos oferece para nos construirmos como cristãos e como padres. É certo que o curso é, por natureza, uma realidade passageira, que se irá esbater com o tempo, com as diferentes tarefas pastorais que seremos chamados a desempenhar ao longo da vida nas nossas dioceses. Por isso, ele é apenas um meio de formação, uma comunidade mais pequena, um ponto de referência, uma ajuda ao crescimento, seja nos momentos de maior seriedade, seja em outros marcados pelo divertimento e descontracção. Deixai-me sublinhar que a importância da vida comunitária – tal como a vida de oração – decorre directamente do conceito teológico de comunhão: a comunhão com Deus e em Deus não pode deixar de se espelhar no acolhimento e na partilha com os irmãos. Longe pois de ser uma realidade teologicamente facultativa, ela é também aquela realidade onde, de um modo muito concreto e consciente vamos limando as nossas arestas para sermos as pedras vivas deste novo Templo do Senhor que é a Igreja.

 

3) Finalmente, da vida espiritual faz ainda parte o confronto com o Director Espiritual. É importante que o Director Espiritual nos conheça interiormente – conheça toda a nossa história, todas as nossas dificuldades, os obstáculos que encontramos no nosso relacionamento com Deus e com os outros. Ele é alguém, nesta etapa de formação, indicado pelo nosso Bispo (não há Directores Espirituais exteriores ao Seminário), com quem podemos e devemos confrontar quer as grandes opções da nossa vida, quer os nossos hábitos quotidianos, as realidades mais íntimas que não contamos a mais ninguém, e aquelas outras que todos conhecem mas onde se mostra necessário ainda progredir. Daí que seja importante, pelo menos, um encontro mensal com o Director Espiritual, bem como a celebração frequente do sacramento da penitência.

Da vida espiritual fazem ainda parte todos os outros momentos de aprofundamento: das recolecções mensais ao retiro anual; da partilha espiritual em curso, aos momentos de oração previstos e propostos para o encontro com o Senhor.”

VIDA COMUNITÁRIA

Isto significa, de um modo muito concreto, que a todos recebemos como membros de uma única família, sem qualquer distinção de proveniência; a todos peço que vivam desse modo a sua estada no Seminário: esta é a sua casa, a sua comunidade de referência; aqui não existem estrangeiros ou gente de fora; e se é certo que todos estamos aqui de um modo passageiro, enquanto aqui estivermos esta é a nossa comunidade, a nossa casa, da qual havemos de cuidar em todos os aspectos. Assim, o facto de integrarmos todos a mesma comunidade formativa faz com que todos partilhemos as alegrias e os problemas das nossas respectivas dioceses, como se da nossa própria diocese se tratasse.

Ninguém aqui vive em casa emprestada: todos vivemos em casa própria – que, naturalmente, porque é casa comum, tem regras que a todos são comuns e que todos iremos procurar respeitar. São regras mínimas porque não constituem o mais importante da nossa vida; mas precisamente porque são mínimas, importa que todos as procuremos respeitar na sua integridade, evitando atropelos e evitando igualmente o seu cumprimento exclusivamente conforme à letra mas ignorando o espírito das mesmas.

Deixai-me, aliás, enunciar-vos aquela grande regra, que compendia todas as outras, e na qual se consubstancia a própria caridade: o outro, o seu serviço e o seu cuidado. Nem será de esperar uma atitude diferente de quem entrega todos os minutos da sua existência ao serviço de Deus e do próximo: antes do que me é ou não permitido fazer, antes do que posso considerar eventualmente, ser um meu direito, estará sempre o que é ou não bom para o outro que vive ao meu lado e pelo qual sou sempre responsável.

Deixai ainda que recorde a todos uma verdade evidente: a comunidade que aqui agora se encontra não começou hoje – daqui por um ano iremos mesmo celebrar os 80 anos do Seminário. De um modo ou de outro, somos todos herdeiros daqueles que, em 1931, deram início ao novo Seminário dos Olivais, e ainda de todos os outros que, melhor ou pior, aqui foram formados. Mas o essencial não são as datas da história, nem o passado já remoto. Quando me referia ao facto de a nossa comunidade não ter começado hoje, queria sobretudo referir-me ao facto de que uma boa parte dela já aqui vive há alguns anos, que foram fruto certamente da vontade humana de todos, mas que foram igualmente (não tenho dúvidas) construção do Espírito Santo. Peço aos que aqui se encontram pela primeira vez, no mínimo, um olhar benevolente e paciente – até porque foi este o modo de ser seminário que, concretamente, os vossos bispos escolheram para vos formar.

Por outro lado, a grande maioria daqueles que agora aqui estão de novo têm também uma história de formação, com diferentes etapas e percursos. Se esta nossa comunidade formativa os acolhe, é importante que, muito concretamente e não apenas nos princípios ideais, respeite aquilo que foi a sua caminhada, certamente com muito de positivo e com tudo aquilo que nos podem ensinar na vida da fé e na própria vida comunitária.

Gostaria ainda de vos convidar a todos a descobrir de um modo muito concreto a riqueza que constitui a pluralidade (não disse pluralismo) dos modos de viver a Igreja como «mistério de salvação». O facto de o outro não pensar como eu, ou de não ter os mesmos interesses, constitui, à partida, uma possibilidade de enriquecimento que a todos é oferecida. A pluralidade, o debate, a diferença de opiniões e de modos de ser sempre foram uma marca e uma riqueza da Igreja católica ao longo dos séculos. Faremos com que esta pluralidade se reflicta na nossa comunidade.

VIDA PASTORAL

Toda a vida do nosso Seminário é destinada a formar pastores e, por isso, toda ela é pastoral. A ninguém o Senhor deu como vocação «estar no seminário»: este existe por causa do povo de Deus das nossas dioceses. Tudo aqui é, pois, pastoral. Essa é a perspectiva de toda a formação. Desde os seus inícios (muitos seminaristas iam dar catequese às paróquias vizinhas), mas, sobretudo, desde 1971, o Seminário dos Olivais optou por proporcionar aos seus seminaristas, em simultâneo com o estudo da teologia, o trabalho num lugar de “estágio pastoral”.

Assim, são confiados a um Pároco e a uma paróquia da cidade ou dos arredores. Nela, durante a tarde de Sábado e a manhã e a primeira parte da tarde de Domingo, os seminaristas procuram viver com o pároco, rezar com ele, perceber como organiza e olha a paróquia e as razões das suas opções pastorais, e cuidar e acompanhar algum grupo que lhe seja confiado, desenvolvendo e mostrando o amor e a disponibilidade para o serviço do povo de Deus. São tarefas onde é igualmente importante desenvolver o espírito de equipa – de uma equipa que não escolhemos mas com a qual fomos enviados.

VIDA DE ESTUDO

O estudo da teologia ocupa grande parte do nosso dia. Para além da frequência às aulas, é essencial o estudo individual, impossível de ser realizado sem um bom aproveitamento do tempo. A vossa «profissão» é o estudo da teologia e, para isso, as nossas diferentes dioceses não hesitam em pagar-vos os estudos e em vos proporcionar um ambiente onde, livres de outras preocupações, vos seja possível dedicar-vos, quase inteiramente, à teologia.

O estudo da teologia é, em primeiro lugar, uma exigência da nossa fé. É certo que nem todos os cristãos estudam teologia, mas todos são chamados a possuir umainteligência da fé,em maior ou menor grau.

Com efeito, acreditar que, em Jesus, o Logos se fez carne significa, antes de mais, professar que toda a realidade se encontra ordenada, não é fruto do acaso mas da vontade de Deus; é fruto de uma razão (Logos) que nos é dado conhecer, descobrir, investigar, aprofundar. Mas significa, depois, acreditar que em Jesus de Nazaré esseLogos vem ao nosso encontro. Se o podemos e devemos descobrir pela nossa razão, podemos e devemos descobri-lo igualmente naquele encontro que apenas a fé proporciona e diante do qual, como aconteceu outrora a Pedro e aos discípulos, nos colocamos de joelhos.

Fé e razão, longe de se contradizerem, abrem diante do crente um novo horizonte, insuspeitado, que ao mesmo tempo que nos seduz e maravilha, nos convida sempre a ir mais longe. Por isso, o estudo encontra-se prolongado na oração, e esta convida ao aprofundamento das razões da fé.

Depois, o estudo da teologia é uma exigência para aquele que vai ter sobre os ombros o ministério do pastor, ou seja, para aquele que terá de realizar opções pastorais. Ora é impossível ser um «bom pastor» sem saber teologia: todas as opções pastorais têm sempre implicações teológicas, tal como as opções teológicas trazem consigo consequências pastorais. Um pároco que, por exemplo, prescinda da constituição de qualquer conselho na sua comunidade tem óbvios defeitos na sua eclesiologia; e o mesmo se pode dizer de um outro que prescinda do exercício da autoridade de que é investido pelo Bispo que o envia, sob o pretexto de uma «concepção democrática» da Igreja – em ambos a eclesiologia foi mal estudada e assimilada.

Na vossa fase (1º ciclo), o principal objectivo do estudo da teologia consiste na obtenção de uma síntese teológica harmónica inicial, da qual deve brotar o trabalho final do mestrado integrado em teologia, e que vos torne aptos a conduzir com critérios teológicos as comunidades que vos forem confiadas.

É óbvio que tal objectivo traz consigo a aquisição de hábitos de estudo, que mesmo não terminando na obtenção de outros graus académicos possam alimentar o sadio hábito da leitura teológica e do aprofundamento das questões.

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