Pedro Feliciano

No alto dos meus parcos vinte e oito anos tenho refletido que a vocação se tem revelado uma problemática porque, por um lado, o ser humano continua a fazer a experiência de «sentir-se seduzido» pelo amor de Deus e pela pessoa de Jesus enquanto vive neste mundo; por outro, inquieta-se com o dilema da sua liberdade e responsabilidade humanas perante a omnipotência de Deus e a hipotética ideia de predestinação. Questões sérias e profundíssimas que acompanham toda a história da reflexão acerca de Deus.

Tive a sorte de ter, como criança e adolescente, uma experiência religiosa feliz através do testemunho da minha mãe Maria e de outras pessoas da comunidade paroquial da Sapataria, nomeadamente os Padres Eduardo Coelho e Luís Alberto.

Com razão, Gianni Vattimo escreve “não encontro nenhuma explicação para o facto de que alguém não aceite a predicação de uma religião de amor, caridade, pathos e misericórdia” e continua, dizendo “acho que a culpa é da Igreja; não simplesmente por causa da riqueza do papa ou da corrupção dos padres pedófilos nas igrejas americanas, mas por causa da força excessiva da sua estrutura”[1].

Foi, em parte, alguma incompreensão e desilusão acerca desta força excessiva da estrutura da Igreja Católica que me levou a um afastamento dos sacramentos e da vivência comunitária. A partir dos 17 anos fui progressivamente percebendo que a minha adesão a Jesus e à Igreja Católica não podia estar cativa das muitas fragilidades e incongruências dos filhos de Deus. A Igreja não estava fora de mim, quer dizer, uma pertença genética foi-se consolidando.  

Como estudante universitário fui convidado pelo Pe. Filipe Santos para acompanhar um grupo de rapazes no Pré-Seminário de Lisboa. Lá encontrei adolescentes de vários locais da diocese de Lisboa e conheci alguns seminaristas (alguns hoje padres). Além de confirmar que estes últimos não eram nem «bichos raros» nem «frustrados», também eu, ao longo dos encontros, me fui questionando acerca disso que seria a vocação.

Dez anos após a queda das Torres Gémeas, no dia 11 de setembro de 2011, entrei para o Seminário de São José de Caparide perto do Estoril. Não me movia tanto o desejo de ser padre per se mas a descoberta da vida cristã em comunidade e um desejo de compromisso com a evangelização do mundo. O primeiro ano foi um tempo de desaceleração, oração, crescimento de virtudes humanas, desporto, construção de novas relações humanas e de um certo afastamento de amigos e familiares, nem sempre fácil de lidar. Recordo com saudade o exemplo de santidade da D. Benedita com 102 anos e que vivia connosco.

Além do estudo de Línguas Clássicas, Filosofia, História e Teologia na Universidade Católica Portuguesa, o Seminário possibilitou-me um crescimento espiritual e humano. Foi já no Seminário Maior de Cristo Rei dos Olivais, nomeadamente na experiência pastoral na Paróquia do Parque das Nações com o Padre Paulo Franco que fui percebendo que, não obstante ter um amor pelo sacerdócio, ia sentindo que o meu caminho de serviço não se iria concretizar no sacerdócio. Seguiu-se um período de purificação dos sentimentos e das motivações. Em março de 2017 tomei a decisão de abandonar o Seminário, profundamente grato e pacificado.

No dia 12 de outubro de 2019, após um período feliz de namoro, casei com a Rita. Faço festa e dou graças a Deus pelo facto das nossas vidas se terem cruzado. E como casado entrevejo um «caminho aberto» de bem. Gosto de pensar na vocação como uma história inacabada que se conta ao ouvido de forma lenta e em surdina, repleto de benefícios para quem a escuta.

Entretanto trabalho como Assistente de Investigação Aplicada no Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa (UCP).

 

Pedro Lourenço Penela Feliciano, abril de 2020

 

[1] Cf. Gianni Vattimo – O Futuro da Religião. Ed. Angelus novus, 2006, p.86ss.

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