Ordenações diaconais

No passado dia 3 de Dezembro, primeiro Domingo do Advento, foram ordenados novos diáconos para a diocese de Lisboa. Além de três diáconos permanentes, foram ordenados o Lourenço Abecasis de Carvalho e o Pedro Araújo, alunos do Seminário dos Olivais.

Homilia do Senhor Patriarca nas ordenações

1. “Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento. Será como um homem que partiu de viagem” (Mc 13, 34), refere Jesus na parábola do Evangelho. E, com esta partida, somos introduzidos na dramática experiência do afastamento de Deus e da sua ausência na vida de muitos. Uma experiência que o próprio Cristo viveu na hora da Cruz quando a expressou através da lancinante interrogação: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?” (Mc 15, 34).

“Onde estava Deus naqueles dias? Porque se silenciou Ele?”, perguntava-se Bento XVI, em Auschwitz-Birkenau quando, em 2006, visitou esse campo de extermínio nazi, onde morreram mais de seis milhões de pessoas, sobretudo judeus! E a mesma interrogação surgiu de entre os escombros da tragédia das Torres Gémeas, em Nova Iorque.

Por razões e motivos diferentes, mas todos eles tristemente coincidentes no resultado, a única experiência que muitos irmãos e irmãs têm de Deus é a da sua ausência, do seu afastamento, do seu silêncio…

Também Isaías, na primeira leitura, questionava: “porque nos deixais, Senhor?” (Is 63, 17) E enumera um quadro nebuloso dos efeitos provocados pela ausência do Senhor na vida das pessoas ou na história dos povos.

Assim, neste primeiro Domingo do Tempo do Advento, em que testemunhamos a consagração diaconal do Lourenço Carvalho, do Pedro Miguel Araújo, do Joaquim Batista, do Jorge Carmo e do Luís Manuel Costa, a Palavra escutada oferece-se como luz que vos há de iluminar no desenvolvimento da vossa diaconia para o serviço do Povo de Deus.

2. Desde já vos exorto a fazerdes-vos próximos daqueles e daquelas que não sentem ou já não pressentem Deus nas suas vidas. Atualmente, são uma imensidão. Particularmente entre os jovens, mas também entre os pobres ou entre os que descreem da Sua ação redentora no mundo. Assistir passivamente à privação de Deus da vida dos pobres, ficar na praia a ver mulheres e homens distanciarem-se d’Ele, perderem o sentido da Sua presença nas suas vidas, não só é uma traição a Cristo e ao seu Evangelho, mas é ser cúmplice do mais atroz esvaziamento do ser humano, que é ficar privado da bênção de um horizonte de esperança que só a comunhão com o Pai pode dar.

Procurai compreender que a ausência do Senhor não produz no ser humano apenas um sentimento de solidão, também o priva de qualquer esperança e mergulha multidões de pessoas numa noite existencial onde tudo parece absurdo e nada aparenta fazer sentido.

3. Por isso, a partir do que a própria Palavra nos propõe, convido-vos a refletir, em três etapas.

3.1. Primeiro, captai em profundidade os efeitos devastadores que a não presença de Deus na vida das pessoas e das comunidades provoca. Isaías refere que o ser humano perde também o sentido do bem e da verdade e torna-se incapaz de seguir por caminhos justos e retos. Nesta profecia, vislumbra-se uma premonição do que viria a dizer Dostoiévski, séculos depois, quando exclamava “se Deus morreu, então tudo é possível.” Tudo – bem ou mal, verdade ou mentira, libertação ou aniquilação… – adquire igual direito de cidadania. E Isaías protesta contra o endurecimento do coração, o pecado de rebeldia, próprio de quem não aceita nada que tenha origem no outro, mas apenas aquilo que decorre do próprio eu; e profere uma frase que é todo um programa: sem a presença do Senhor, diz, “caímos como folhas secas, as nossas faltas nos levavam como o vento”. É uma referência à dramática situação de escravidão que vive quem perde as referências a Deus e se deixa subjugar pelo domínio de forças e poderes tantas vezes contrários aos interesses genuínos do ser humano.

3.2. Em segundo lugar, a reação do ser humano face à ausência de Deus é apresentada em dois registos: o primeiro é a súplica, como ouvíamos em Isaías, “Voltai, Senhor, por amor dos vossos servos e das tribos da vossa herança. Oh se rasgásseis os céus e descêsseis!” (Is 63, 17. 19) Tal apelo pungente exprime bem a impossibilidade de o ser humano viver sem Deus. Ele não só nos sustenta na existência, mas é Ele quem dá sentido à vida. Nós somos como aquele barro informe, sem sentido, nem função alguma, a não ser que, tomado nas mãos do oleiro, seja plasmado para ser vaso ou para a função que lhe for reservada. Assim sucede connosco. A nossa vida só recebe configuração e forma através de Cristo, Sabedoria do Pai. Como no princípio fomos plasmados do barro da terra pelo divino Criador, também hoje, a vitória de cada um sobre o caos é obra do divino Oleiro. Só Ele é o único que molda a tua vida e o teu ser! Só Ele dá beleza e forma ao teu pensar e ao teu agir!

A segunda atitude é a vigilância que Jesus propõe no Evangelho: “Vigiai!” (Mc 13, 35. 36) Antes de mais, trata-se de uma ação, um fazer: “ao deixar a sua casa, o homem deu plenos poderes aos seus servos, atribuindo a cada um a sua tarefa, e mandou ao porteiro que vigiasse” (Mc 13, 34): ou seja, tal como confiou aos servos a tarefa que era própria de cada um, assim, ao porteiro, confiou a missão de vigiar.

Vigiar é a atitude de quem está ao serviço de um regresso, ao serviço da aproximação de Deus a todos e a cada ser humano. Trata-se, verdadeiramente, da encarnação da esperança, tal como as obras são o rosto da fé. Porque a vigilância anuncia, antecipa e prepara a vinda e a chegada do Senhor, não se limita a ser uma espera passiva, mas uma penetrante e ativa sintonização com Aquele que vem.

Ao contrário da filosofia aristotélica, que enunciava um deus motor imóvel que tudo move, sem que Ele seja movido ou sequer se mova, Jesus Cristo revelou-nos que Deus, ao invés, não se pauta só por existir, mas, fundamentalmente, é Aquele que vem, vem ao nosso encontro e connosco caminha. Inclusivamente, na famosa teofania a Moisés, no monte Horeb, na qual Yahwé declara “Eu sou Aquele que sou” (Ex 3, 14), tal declaração significa o ser ativo de Deus e expressa o caminho que faz até nós para connosco caminhar.

Caros irmãos, compreendemos em que medida Jesus Cristo é fulcral para a nossa união com o Pai. Ele, enquanto Senhor que vem ininterruptamente, devolve-nos a esperança e convida-nos a ser como aquele porteiro vigilante que anuncia e antecipa o Senhor que se faz próximo de cada um de nós, porque vem ao nosso encontro. Ele faz-se presente na vida de quem sofre, vem como visitador e médico, permanece connosco no drama da cruz quotidiana, sofrendo no nosso sofrimento.

A vigilância é constituída pela confiança mútua com Aquele que vem, e pela abertura ao seu acolhimento no encontro com Ele, e no serviço por amor. Caras irmãs e irmãos, particularmente vós, caros Lourenço Carvalho, Pedro Miguel Araújo, Joaquim Batista, Jorge Carmo e Luís Manuel Costa, sede vigilantes da proximidade de Deus: uni cada pessoa a Ele, que é o Senhor da vida, e tornai-vos peritos no acolhimento ao Senhor que vem em cada irmão, com a certeza de que Ele continua a procurar-nos, em todos os tempos e lugares, independentemente da nossa distração na escuridão da noite.

3.3. A terceira etapa da nossa reflexão consiste em reafirmar o valor reparador da vinda e proximidade do Senhor Deus.

Na Sagrada Escritura, a vigilância acompanha os grandes momentos da história da salvação. Desde logo, no ato criador, essa ação da vigilância de Deus, que somente ao sétimo dia descansou; e na libertação do Egito como no nascimento de Jesus Cristo; quando surgia a Igreja, e no caminho de santidade de tantos cristãos, a vigilância permeava o tempo e as pessoas. Vigiar, marca sempre um novo começo, sendo a novidade produzida pela vinda do Senhor da História. É um ato de compromisso e de doação.

Caros irmãos, diáconos, o vosso diaconado ao serviço do anúncio e dos irmãos é o rosto da vossa vigilância. Com a vossa pregação fomentais a decisão de mostrar que Deus é Aquele Pastor que vem à procura dos homens e pede para ser acolhido e hospedado na vida de cada um. Mas isso implica criar espaços interiores para a oração, libertar o coração para que Ele entre e possa efetivamente ser e permanecer.

Mostrai aos homens de hoje que a pergunta decisiva não é onde está Deus?, mas sim onde é que Ele tem lugar? Onde é que é acolhido? Onde é que é esperado? Com a vossa missão concreta, não estais apenas a responder às mais prementes emergências sociais, mas a realizar proximidade, não só humana, mas do próprio Deus. Ele, de facto, afirmou que “o que fizerdes a um destes mais pequeninos, a mim o fareis.” Vigiai é um pedido que nos recorda que a vida não tem só a dimensão terrena, mas está projetada para um «além», como uma pequena planta que germina da terra e se abre para o céu. Vigiar é um presente que se faz futuro.

4. Isaías, na senda da vinda de Deus, até nós, que se haveria de realizar em Cristo Jesus, dedica um maravilhoso hino ao mundo restabelecido pelo Amor e pelo Serviço. Nós, aqui hoje reunidos, temos o grato privilégio de saborear, em Cristo, essa vinda e esse restabelecimento libertador:

O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres;
enviou-me a proclamar a libertação aos cativos
e, aos cegos, a recuperação da vista;
a mandar em liberdade os oprimidos,
a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.

(Is 61, 1)

Igreja de Santa Maria de Belém, 3 de Dezembro de 2023, Domingo I do Advento

+Rui, Patriarca de Lisboa

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